segunda-feira, 4 de maio de 2009

Romeu e Julieta ...



"Só ri das cicatrizes quem ferida nunca sofreu no corpo." (William Shakespeare)



Jardim de Capuleto. Entra Romeu.


(...)

JULIETA - Com quem tomaste informações para até aqui chegares?


ROMEU - Com o amor, que a inquirir me deu coragem;. deu-me conselhos e eu lhe emprestei olhos. Não sou piloto; mas se te encontrasses tão longe quanto a praia mais extensa que o mar longínquo banha, aventurara-me para obter tão preciosa mercancia.


JULIETA - Sabe-lo bem: a máscara da noite me cobre agora o rosto; do contrário, um rubor virginal me pintaria, de pronto, as faces, pelo que me ouviste dizer neste momento. Desejara - oh! minto! - retratar-me do que disse. Mas fora! fora com as formalidades! Amas-me? Sei que vais dizer-me "sim", e creio no que dizes. Se o jurares, porém, talvez te mostres inconstante, pois dos perjúrios dos amantes, dizem, Jove sorri. Ó meu gentil Romeu! Se amas, proclama-o com sinceridade; ou se pensas, acaso, que foi fácil minha conquista, vou tornar-me ríspida, franzir o sobrecenho e dizer "não", porque me faças novamente a corte. Se não, por nada, nada deste mundo. Belo Montecchio, é certo: estou perdida, louca de amor; daí poder pensares que meu procedimento é assaz leviano; mas podeis crer-me, cavalheiro, que hei de mais fiel mostrar-me do que quantas têm bastante astúcia para serem cautas. Poderia ter sido mais prudente, preciso confessá-lo, se não fosse teres ouvido sem que eu percebesse, minha veraz paixão.
Assim, perdoa-me, não imputando à leviandade, nunca, meu abandono pronto, descoberto tão facilmente pela noite escura.


ROMEU - Senhora, juro pela santa lua que acairela de prata as belas frondes de todas estas árvores frutíferas...


JULIETA - Não jures pela lua, essa inconstante, que seu contorno circular altera todos os meses, porque não pareça que teu amor, também, é assim mudável.

ROMEU - Por que devo jurar?


JULIETA - Não jures nada, ou jura, se o quiseres, por ti mesmo, por tua nobre pessoa, que é o objeto de minha idolatria. Assim, te creio.

ROMEU - Se o amor sincero deste coração...

JULIETA - Pára! não jures; muito embora sejas toda minha alegria, não me alegra a aliança desta noite; irrefletida foi por demais, precipitada, súbita, tal qual como o relâmpago que deixa de existir antes que dizer possamos: Ei-lo! brilhou! Boa noite, meu querido. Que o hálito do estio amadureça este botão de amor, porque ele possa numa flor transformar-se delicada, quando outra vez nos virmos. Até à vista; boa noite. Possas ter a mesma calma que neste instante se me apossa da alma.

ROMEU - Vais deixar-me sair mal satisfeito?

JULIETA - Que alegria querias esta noite?

ROMEU - Trocar contigo o voto fiel de amor.

JULIETA - Antes que mo pedisses, já to dera; mas desejara ter de dá-lo ainda.

ROMEU - Desejas retirá-lo? Com que intuito, querido amor?

JULIETA - Porque, mais generosa, de novo to ofertasse. No entretanto, não quero nada, afora o que possuo. Minha bondade é como o mar: sem fim, e tão funda quanto ele. Posso dar-te sem medida, que muito mais me sobra: ambos são infinitos.
(A ama chama dentro.)
Ouço bulha dentro de casa. Adeus, amor! Adeus! - Ama, vou já! - Sê fiel, doce Montecchio. Espera um momentinho; volto logo.
(Retira-se da janela.)

ROMEU - Oh! que noite abençoada! Tenho medo, de um sonho, lisonjeiro em demasia para ser
realidade.
(Julieta torna a aparecer em cima.)

JULIETA - Romeu querido, só três palavrinhas, e boa noite outra vez. Se esse amoroso pendor for sério e honesto, amanhã cedo me envia uma palavra pelo próprio que eu te mandar: em que lugar e quando pretendes realizar a cerimônia, que a teus pés deporei minha ventura, para seguir-te pelo mundo todo como a senhor e esposo.

AMA (dentro) - Senhorita!

JULIETA - Já vou! Já vou! - Porém se não for puro teu pensamento, peço-te...

AMA (dentro) - Menina!

JULIETA - Já vou! Neste momento! - ... que não sigas com tuas insistências e me deixes entregue à minha dor. Amanhã cedo te mandarei recado por um próprio.

ROMEU - Por minha alma...

JULIETA - Boa noite vezes mil.
(Retira-se.)

ROMEU - Não, má noite, sem tua luz gentil. O amor procura o amor como o estudante que para a escola corre: num instante. Mas, ao se afastar dele, o amor parece que se transforma em colegial refece.
(Faz menção de retirar-se.)
(Julieta torna a aparecer em cima.)

JULIETA - Psiu! Romeu, psiu! Oh! quem me dera o grito do falcoeiro, porque chamar pudesse esse nobre gavião! O cativeiro tem voz rouca; não pode falar alto, senão eu forçaria a gruta de Eco, deixando ainda mais rouca do que a minha sua voz aérea, à força de cem vezes o nome repetir do meu Romeu.

ROMEU - Minha alma é que me chama pelo nome. Que doce som de prata faz a língua dos amantes à noite, tal qual música langorosa que ouvido atento escuta?

JULIETA - Romeu!

ROMEU - Minha querida?

JULIETA - A que horas, cedo, devo mandar alguém para falar-te?

ROMEU - Às nove horas.

JULIETA - Sem falta. Só parece que até lá são vinte anos. Esqueci-me do que tinha a dizer.

ROMEU - Deixa que eu fique parado aqui, até que te recordes.

JULIETA - Esquecê-lo-ia, só para que sempre ficasses ai parado, recordando-me de como adoro

tua companhia.

ROMEU - E eu ficaria, para que esquecesses, deixando de lembrar-me de outra casa que não fosse esta aqui.

JULIETA - É quase dia; desejara que já tivesses ido, não mais longe, porém, do que travessa menina deixa o meigo passarinho, que das mãos ela solta - tal qual pobre prisioneiro na corda bem torcida - para logo puxá-lo novamente pelo fio de seda, tão ciumenta e amorosa é de sua liberdade.

ROMEU - Quisera ser teu passarinho.

JULIETA - O mesmo, querido, eu desejara; mas de tanto te acariciar, podia, até, matar-te. Adeus; calca-me a dor com tanto afã, que boa-noite eu diria até amanhã.

ROMEU - Que aos teus olhos o sono baixe e ao peito. Fosse eu o sono e dormisse desse jeito! Vou procurar meu pai espiritual, para um conselho lhe pedir leal.
(Sai.)

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